terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Trinta e Um

Ele circulou a pintinha vermelha abaixo do seio esquerdo dela. Perguntou, fitando os olhos iluminados pela luz que vinha da janela que rangia:
-Quando se tornou tão fria? Digo, quando resolveu que o amor já não valia a pena?
Ela sorriu, deitou de bruços e fez um carinho nos cabelos dele. Respondeu após um suspiro.
-Não é que o amor não vale a pena, mas é que eu já me decepcionei muito. Mas, respondendo a sua pergunta, não sei ao certo, mas deve ter sido entre o momento que ele me perguntou qual era meu filme romântico preferido pra depois assistir com ela.
-Que triste..
-Sim, não consigo mais assistir àquele filme. Pff...- Ela se levanta e ele pega a câmera, e estranha o fato dela não reclamar após os primeiros cliques.
Ela fica de costas, meio de lado e prende os cabelos.
-Gosto dos seus ossinhos. -Ele diz, sorrindo.
Ela sorri também, vira o rosto, mas seu sorriso não chegou aos olhos. Seus olhos diziam outras coisas, que não valiam mais a pena seus lábios proferirem.
-Vamos sair? Quero caminhar. -Ela pede e antes mesmo dele responder, já se veste.
Vão caminhando lado a lado, rua abaixo. O sol entediadamente, desce devagar, dando lugar a uma lua tímida que sorria.
Se dirigiram a um pequeno café, talvez por falta de opção ou por pura preguiça de continuarem a procura de outro lugar.
Se sentaram e enquanto esperavam pelo capuccino, ela o olhou somente por alguns segundos - o que, para ela, parecia ter durado horas - e saiu da mesa, sem maiores explicações.
Entrou no banheiro, encostou a cabeça na porta.
-Está tudo bem? -Uma moça gentil a perguntou. Ela simplesmente balançou a cabeça, afirmando.
Algumas gotas escorreram. Respirou fundo. Se acalmou. Secou e voltou a mesa.
-Aconteceu alguma coisa? -Ele perguntou, olhando-a interrogativo.
-Não é nada. -Bebeu um gole do capuccino e o temperou com açúcar mascavo e canela.
Ocuparam o tempo dos capuccinos e da torta de chocolate que dividiram conversando sobre nada e tudo ao mesmo tempo.
-Obrigada.
Ele olha para ela e tenta entender. Os olhos dela faziam horas passar como segundos segundos como eras.-Obrigada por me fazer sentir bem. Mesmo que uma última vez.
Ele olha para ela com cara de desconfiado e diz displicentemente:
-Que é? Não vai me dizer que vai morrer até o dia acabar...
Ela sorri e toma mais um gole do capuccino. Samba o líquido dentro da caneca, tendo lapsos de reflexão. Vira os olhos para ele e pergunta:
- O que é eternidade?
O rapaz gargalha e aponta para a caneca dela, perguntando inverbalmente se ela quer mais um capuccino. Ela agradece mas recusa. Teima e repete:
- O que é eternidade?
Ele se levanta da cadeira, anda até a janela mais próxima, gargalha mais uma vez e diz de um jeito preguiço:
- Acho que sua pergunta está errada... Acho que o que você deveria perguntar é se realmente vale a pena a eternidade e ainda mais, com quem você quer passa-la.
Ela toma o último gole do capuccino, levanta-se da cadeira, troca os pés, ensaia uns tropeços, volta para o banheiro. Ele está lá, no mesmo lugar, contemplando o espaço infinito além da janela. Dentro do banheiro ela lava o rosto, apalpa os cabelos desgrenhados, tenta não olhar para os próprios olhos, tenta não encarar a realidade, sua própria vontade.
- Moça? Olá? Está tudo bem mesmo? - Brada a mesma atendente de antes cuja preocupação era mais automática do que sincera, mas ela não estava preparada para isso, ainda não tinha aterrissado.
A porta abre e ela sai com um sorriso de soslaio estampando na face. Suas bochechas estão mais vermelhas do que o normal, ela estava quente por dentro e por fora. Correu a procura dele, mas ele não estava mais lá. Vagou o olhar sobre cada canto do recinto, mas não havia mais ninguém lá.
Se dirigiu a mesa que já não possuia mais o mesmo brilho. Ele sabia que algo estava errado, mas não perguntaria. Preferiu olhar para as garotas da mesa ao lado quando ela proferiu algumas palavras.
Respondeu, ainda sem olhar nos olhos dela um singelo "então vá", sem se dar conta do que aquelas palavras fariam com ela.
Ela saiu calada, da mesma forma que entrou. Caminhou tropeçando nas dores em busca de alento.
Sentiu uma pequena pressão no pulso direito, naquela marquinha que insistia em relembra-la do passado e um sussurro na nuca "stay with me, Eleanor..."

Um comentário:

  1. É. Imaginei uma coisa bem diferente no final, e ainda estou esperando a próxima "xícara".

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